segunda-feira, 1 de junho de 2009

Criança com olhar de adulto?


Que olhos são esses?
Que não brilham como antes
Que não vêem como dantes

Queria alegrar-me com pouco
Sorrir como um louco

Por coisas tolas
Por isso e aquilo à toa

Ver as pequenas sutilezas
As difíceis belezas

Da adulta realidade
Da cega seriedade

Será que há oportunidade?
Posso eu ver com a felicidade?

Estar feliz não traz admiração
Apenas instiga emoção
E só permite aquela visão
Se quiseres então.

Quis começar o post deste mês com este poema que escrevi há tempos, provavelmente há 2 anos, pois o cerne dele se baseia no mesmo tema deste novo post: O olhar de uma criança!!
É engraçado guardar estes poemas e revê-los após algum tempo, podemos notar claramente o quanto mudamos e como nossa percepção do mundo muda. Este poema nasceu da observação do olhar de uma criança, o que muitas vezes me frustrava, pois tentava encontrar em meus olhos aquele mesmo brilho e, enquanto me questionava sobre tal, surgiu o poema acima, ele não traz respostas, mas notando o brilho no olhar dos adultos, quando estes se encontram em momentos de felicidade plena, notei que os brilhos são parecidos, ao menos apresentam a mesma intensidade, mas é óbvio que não são iguais. O olhar de uma criança é composto de admiração, admiração pelo novo, pela ignorância, pela ingenuidade, e nós – adultos - não temos mais isso, a não ser que sejamos “Macabéas”1, mas os “Macabéas” da sociedade muitas vezes são ridicularizados, estigmatizados ou simplesmente ignorados. Quando vejo o olhar de uma criança sempre sinto um misto de alegria e pesar, eu realmente ainda queria ver o mundo com aqueles olhos, mas o mundo nos arranca a capacidade de ver com admiração, logo eu poderia desejar ser Macabéa, mas para mim já é tarde, então talvez eu consiga pelo menos olhar o mundo de forma mais positiva, mais ingênua, e ser taxada como boazinha e bobinha. Mas o que me levou a escrever este post não foi a “inveja” dos olhares das crianças, na verdade foi o contrário, recentemente temos sido bombardeados com reportagens sobre casos de violência sexual contra crianças e ao ler uma dessas reportagens logo me questionei... - Será que invejo o olhar de todo tipo de criança? Até estas que sofreram abuso? Parece loucura, mas eu fiquei extremamente brava porque estes seres desumanos tiraram o brilho, tão invejado por mim, do olhar dessas crianças, eles tiraram aquilo que faz delas pessoinhas tão especiais e dignas da plena felicidade, porque ninguém além de uma criança é mais digna de felicidade. Algumas pessoas podem até discordar, porque muitas dessas crianças nem entendem o que aconteceu com elas, talvez até preservem o brilho infantil, mas não sei... uma parte de sua pureza e ignorância foi cruelmente arrancado delas, logo não acredito que o brilho continue com a mesma intensidade.
Usei a violência sexual para questionar o que estamos fazendo com o brilho no olhar de nossas crianças, mas esse é apenas um caso com notoriedade maior e que talvez cause um pouco mais de estardalhaço, mas muitas outras coisas fazemos, pois se não o fizéssemos nossas crianças não teriam filhos, não matariam, nem roubariam e com certeza elas não têm o brilho que um dia invejei e que um dia, por sorte, também tive.
Bom, este texto foi só para expor minha preocupação com a infância de nossas crianças, algumas não tem nem chance, pois nascem em contextos conturbados, são vítimas muito cedo de inúmeras violências, mas algumas crianças tem todas as chances do mundo, mas muitos pais deixam que a ignorância e a ingenuidade de seus filhos seja precocemente extinta, logo permitem que o brilho no olhar deles seja menos intenso. Se não pararmos pra refletir sobre nossas crianças e sobre a infância que estamos dando à elas, logo teremos crianças com olhar de adulto e eu, sinceramente, não vejo nenhum benefício nisso.


1. Macabéa: é personagem de A hora da estrela, de Clarice Lispector (1925-1977), vê a vida como uma coisa que apenas é porque é: já que sou, o jeito é ser. Ela não se questiona, sua existência é apenas ser, como um cachorro é cachorro sem o saber. Raquítica, sem vocação, sem sonhos e sem objetivos, acredita mesmo ter sido "soprada" no mundo - como quando um cisco é soprado do olho.

Obs: Essa é a descrição de Macabéa no Wikipédia, mas quando li este livro entendi Macabéa como uma pessoa feliz e confortavelmente alienada, sua ignorância e ingenuidade eram sua proteção contra a “feiura” do mundo que a cercava, por ignorar muitas coisas, ainda conseguia se admirar com o simples.

2 comentários:

Eng. Agrônomo Fernando Delavia disse...

Meus parabéns pelo post Jags. Realmente, seres humanos crueis e sem coração estão retirando o brilho tão lindo e sublime que encontramos no olhar das crianças. Não só pela violência sexual como a violência física, exploração do trabalho, drogas. Todo ser humano que deixa de sonhar, perde esse tal brilho. E uma criança que passa por essas experiências fatalmente tornará um adulto amargo, violento, depressivo. Doenças do tempo moderno...

Temo disse...

para aumentar ainda mais a questão entre adulto e criança:
A idade muito além de uma questão cronológica, é na verdade uma questão de estado de espírito!

=]